Assonância: Poesia simbolista

Literatura,

Assonância: Poesia simbolista

Dentre aquelas ideias que aparentemente nós já temos formuladas dentro de si e que parecem nos ter sido ensinadas desde antes de nascer, a noção de que a poesia é nada além do que uma categoria da Literatura parece fazer parte desse grupo. Mas, por incrível que pareça, para muitos poetas e estudiosos do assunto, a noção de poesia está dissociada do conceito de literatura, isto é, não necessariamente ambas navegam no mesmo barco sobre o mar das palavras.

Isto porque, se por um lado a literatura está associada a uma ideia de comunicação direta com o leitor em que existe a transmissão de uma mensagem óbvia, a poesia, por sua vez, gosta de falar cifrado e jogar com outros aspectos do texto que não a sua literalidade: dentre eles, o formato das palavras no caso dos poemas visuais, as rimas finais, como mostram os sonetos, as trovas ou até mesmo o RAP e também a musicalidade e oralidade que se pode extrair dos versos, no intuito de que eles sejam agradáveis de se escutar.

Assonância

Para o poeta curitibano Paulo Leminski, ícone da poesia modernista brasileira, enquanto a literatura está historicamente associada à um conceito de nobreza, de atividade desenvolvida pela intelectualidade, a poesia tem sua trajetória marcada pela figura do trovador pobre e esfarrapado, do cantor popular, do poeta mambembe que tenta incutir beleza e graça no texto falado, oral. Poesia, segundo Leminski, é “outra coisa”, isto é, uma categoria da expressão artística muito específica, mais próxima da música e das artes visuais do que da literatura, ou talvez mesmo equidistante dessas três, mas ainda sim, não é nenhuma delas.

E nessa busca do poeta por falar de uma maneira bela, por dizer sem ser explícito, as figuras e linguagem cumprem um papel fundamental. São quase como ferramentas das quais ele se utiliza afim de que seja possível manipular as palavras ao seu dispor sem que o óbvio se instaure em seu discurso.

A assonância, por sua vez, é uma das figuras de linguagem mais recorrentes na poesia. Mas afinal, o que é assonância?

É um conceito bem simples. Trata-se da repetição proposital de alguns sons vocálicos presentes entre as palavras, principalmente em suas sílabas tônicas. Diferente da aliteração, figura de linguagem que consiste em repetir as consoantes das palavras, a assonância causa um impacto direto na musicalidade das construções frasais que se apropriam dela. Isso porque as vogais, na língua falada, cumprem um papel importante para o desenvolvimento da melodia com a qual a palavra é dita. Não à toa, a palavra “assonância” nos remete diretamente a ideia de som. Um som que será obtido pela própria enunciação repetida das vogais que, ainda que ocupem diferentes lugares nas palavras que se aglutinam, criam entre si uma espécie de “teia sonora” por meio da qual elas se unem.

Poesia simbolista

O movimento simbolista, escola poética que surgiu em consonância com os primeiros traços do impacto causado pela Revolução Industrial na sociedade, em meados do século XIX, é um dos grandes expoentes modernos de uma poesia onde a musicalidade se apresenta como valor primordial. Não por acaso, a poesia simbolista é um campo minado de assonâncias, aliterações e outras figuras de linguagem que lidam com o som em detrimento do significado. Um bom exemplo dessa prática é o que diz o poeta francês Paul Verlaine que, ao lado de Charles Baudelaire, autor do clássico “As flores do Mal”, desponta como um dos grandes ícones do simbolismo. Para Verlaine, a regra que regia o seu fazer poético, era “… de la musique avant toute chose” (a música antes de tudo).

No Brasil, um dos maiores nomes do simbolismo foi o poeta catarinense Cruz e Souza, também conhecido pelo apelidos de “o Dante Negro” ou “o cisne negro”. Em sua poesia, a assonância ganha um espaço todo especial por ser um procedimento empregado de maneira bastante constante e reincidente. Um bom exemplo dessa presença tão forte da referida figura de linguagem é o poema “Antífona”:

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras

De luares, de neves, de neblinas!

Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas…

Incensos dos turíbulos das aras

Formas do Amor, constelarmante puras,

De Virgens e de Santas vaporosas…

Brilhos errantes, mádidas frescuras

E dolências delírios e de rosas …

Na estrofe acima, fica claro como a vogal “A” instaura uma sonoridade bastante específica por conta de sua repetição. Todos os versos da estrofe terminam com a mesma vogal inserida em uma palavra no plural, ou seja, acompanhada de uma letra “S”. É interessante observar como o poeta associa a assonância a aliteração em um mesmo procedimento, empregando assim as duas figuras de linguagem de maneira complementar.

Assonância no RAP

Por ser um recurso que confere ao texto poético um caráter de sonoridade, a assonância também está muito presente no RAP, estilo musical derivado da cultura Hip-Hop e que carrega no próprio nome uma cifra do seu porvir: RAP é a abreviação de “Rhythm and Poetry” que, em tradução para o português, vem a ser “ritmo e poesia”. Logo, no RAP, o ritmo e a musicalidade não são somente uma caraterística poética mas se encontra em pé de igualdade com a poesia presente no gênero. No trecho a seguir, da música “Negro Drama” dos Racionais MC’s, a assonância se apresenta formalmente destacando os sons das letras “U” e “A”:

Negro drama

Cabelo crespo

E a pele escura

A ferida, a chaga

À procura da cura