Conflito no Quênia

Todas as vezes em que pensamos no continente africano, seja por uma espécie de preconceito histórico que nos é incutido, seja pelo contato que travamos com as misérias geradas pela fome, pela AIDS ou pela pobreza estrema por meio dos telejornais, imediatamente pensamos em uma série de conflitos, desgraças e destruição. Mas é salutar afirmar, antes de iniciar nossa análise sobre o conflito existente no Quênia que, este país, durante todo desenrolar de sua história, foi considerado uma das mais pacíficas nações de todo o continente africano.

Conflito no Quênia

Essa paz que perdurou por toda a história do Quênia e que incidiu de maneira bastante contundente sobre sua história e sobre a sua cultura foi ceifada de maneira abrupta quando, no ano de 2007, uma série de violentíssimos conflitos deram fim ao sossegado eternamente instaurado.

Era um dia como outro qualquer, e tudo corria na mais perfeita harmonia em Nairóbi, a capital do Quênia. Eis que, sem qualquer explicação que fosse capaz de dar conta dessa ação pra lá de violenta, sangrenta e desumana, um agrupamento de homens armados com facas e facões invade abruptamente uma favela localizada na periferia de Nairóbi. Após a invasão, esse grupo de homens armados passa a promover um verdadeiro massacre, estuprando mulheres e jovens, mutilando uma série de homens, assassinando a maior parte das vítimas e ateando fogo em tudo que se encontrava ao seu redor sem a menor piedade.

Após o massacre, o motivo

Qual teria sido o motivo de tamanho massacre em Nairóbi? Era o que se perguntava perplexa a população do Quênia, ainda apavorada e compadecida com o que acabar de presenciar. Aos poucos, entretanto, as informações iam surgindo e chegando à tona: a ação extrema havia sido formulada como uma espécie de resposta sangrenta ao processo eleitoral que havia oficializado a reeleição do até então presidente do Quênia, chamado Mwai Kibaki, que era membro de uma etnia conhecida como quicuio. O processo eleitoral era acusado de ter sido fraudulento.

Os conflitos entre as diversas etnias existentes é uma situação recorrente em todo o continente africano. Para compreender essa situação, precisamos voltar nossos olhos para o passado desse continente. Antes, as tribos e etnias conviviam cada uma em seu território, respeitando as fronteiras e as culturas que habitavam cada uma dessas esferas. Entretanto, depois do periodo histórico em que a Europa passou a invadir o território africano bancando um franco processo de colonização, tornou-se salutar recortar o continente para que as potências imperialistas pudessem reconhecer quais eram os territórios de cada uma delas. Com essa ação arbirtrária de criar países-colônia aleatoriamente, respeitando somente os interesses econômicos que pautavam a ação europeia, muitas das tribos e etnias passaram a ter que conviver obrigatoriamente sob a égide de um mesmo país, tendo que dividir o mesmo território e respeitar o mesmo Estado – mediado, obviamente, por uma máquina política que a partir de então passava a ser comandada ora por um grupo, ora por outro. E, notadamente, se mantinham por mais tempo no poder os grupos que colaborava com o domínio europeu na região.

A bem da verdade, a ocupação do Quênia pelos europeus incidiu em uma série de enfermidades e doenças que foram transmitidas para os animais locais, que simplesmente foram completamente dizimados. Essa mortandade geral dos animais também incluiu o gado próprio para corte que alimentava boa parte da população queniana. O cenário decorrente disso foi por si só uma grande desgraça: milhares de pessoas sem comida ou ainda pior, contaminadas pelas moléstias dos animais. A consequência, obviamente, não poderia ter sido outra: boa parte da população foi dizimada, restando na aniquilação de algumas tribos e resistência de algumas poucas outras.

A resistência organizada fez com que os quicuios se tornasse o grupo tribal majoritário dentro do país. O que, consequentemente, transformou-os também em um grande grupo representativo no Quênia. Mas não foi só esse fato que fez com que os quicuios se tornasse um grupo de extrema visibilidade dentro do país: ao longo de toda a ocupação britânica, eles acabaram por desfrutar de uma série de vantagens e benefícios fez com que eles estivessem sempre em uma posição bastante privilegiada em relação aos outros grupos tribais do resto do território queniano. A da capital, Nairóbi, inclusive, é um exemplo claro desse privilégio com que sempre contaram os quicuios, afinal, a cidade foi erguida nas proximidades de suas terras.

Quando resolveram desocupar o território queniano, os britânicos decidiram por passar o poder para as mãos de uma elite composta pelos quicuios que, durante todo o processo de colonização, acabou por receber educação e formação política e cultural herdada pela coroa britânica. Deste modo, os quicuios tornaram-se, dentro do próprio Quênia, uma espécie de eco do passado colonial do país, e por conta disso a sua presença no poder político transformou-se também em um ícone a ser contestado de qualquer jeito – o que, na prática, fez com que muito sangue fosse derramado.