Elevação do Brasil a Reino Unido
Não há dúvida de que a migração da família real para o Brasil em 1808 é um marco. Se ela não houvesse ocorrido, o Brasil não teria sido promovido pelo príncipe regente à condição de Reino Unido. Ainda que possa parecer inverossímil atribuir tal decisão a um mero aspecto formal, é o que aparece de forma mais evidente nos registros históricos.
A permanência da família real numa colônia teria se tornado uma não conformidade. O príncipe regente, afinal, governava um vasto reino, com gigantescas possessões e parecia inadequado que o fizesse do Rio de Janeiro, capital da colônia, razão pela qual promoveu o Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. D. João passaria a atender pelo título de “Príncipe Regente de Portugal, Brasil e Algarves, d’aquém e d’além mar em África, senhor da Guiné, e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia”.
Da abertura dos portos à Revolução do Porto
A verdade, todavia, é que a decisão de transformar o Brasil em Reino Unido a Portugal está longe de se limitar a uma mera formalidade ou um rito de poder. A tradição do Brasil Colônia sempre foi a defesa da unidade política e da prevalência do poder central, sem que isso configurasse, graças à grande extensão territorial da colônia, entraves para os poderes locais constituídos. O Brasil que recebeu a família real em 1808 já tinha uma configuração política, jurídica e administrativa consolidada. A decisão de transformar o Brasil em Reino Unido atendeu à necessidade política de manter a unidade com Portugal. A condição de colônia talvez fosse mais perigosa que a de um Estado.
Foram, todavia, os interesses econômicos que conflagraram de forma irreversível o processo que levou o Brasil à independência política de Portugal. Se Dom João, ao retornar à antiga metrópole em 26 de abril, deixasse seu filho Dom Pedro como príncipe regente de um Estado com autonomia política e administrativa, garantindo a continuidade do poder da Casa De Bragança dos dois lados do Atlântico, o xadrez econômico aceleraria em duas frentes a independência.
O primeiro movimento do xadrez econômico foi o episódio que ficou conhecido como a “abertura dos portos às nações amigas”. O significado de “abertura dos portos” nada menos era que a independência econômica do Brasil. Soma-se, então, à autonomia administrativa e política a econômica, não na perspectiva de uma ruptura, mas de um processo acelerado. A abertura dos portos não só favorecia a formação de uma burguesia nacional como atendia aos interesses da Inglaterra.
Muito se dizia no ensino tradicional de História que as ideias liberais influenciaram na consolidação da independência brasileira. De fato, essas ideias influenciaram, mas o fizeram principalmente a partir de um segundo vetor, que foi a Revolução do Porto, que tinha como teatro ideológico a criação de uma monarquia constitucional, seguindo a onda liberal que se alastrava pela Europa. A difusa base conceitual do levante na metrópole, que levaria Dom João a retornar a Portugal em 1921, apontava numa outra direção: a deterioração da situação da metrópole como consequência das guerras napoleônicas, que foram também as responsáveis pela migração da família real para o Brasil.
O que uniu quase numa só voz a nobreza, a burguesia, o exército e o clero foi, provavelmente, a perda de qualidade de vida na metrópole e, mais que as guerras napoleônicas, contribuiu para esse estado das coisas a independência econômica do Brasil. Em outras palavras, a abertura dos portos e a perda do monopólio de Portugal no comércio com o Brasil era uma situação que os portugueses queriam ver revogada, mas era tarde porque se sobreponha o interesse de outras nações para quem o comércio com o Brasil faria muito bem, sobretudo a Inglaterra, despojada de suas possessões na América do Norte.
A aliança ente a Inglaterra e os Bragança
A aliança entre a Inglaterra e a Casa de Bragança está explícita em todo esse processo histórico. Ao migrar para o Brasil em 1808, Dom João entregou o comando do exército português à Inglaterra, aliada militar de Portugal, cujas forças armadas interferiram para evitar que o reino dos Bragança se transformasse numa possessão de Napoleão.
O que parece nítido é que o xadrez político alinhou as ações de Dom João XI com os interesses ingleses. Ao transformar o Brasil em Reino Unido a Portugal e Algarves, o então príncipe regente conferiu aos habitantes locais um sentimento nacional, que imporia a Portugal sérios transtornos caso houvesse um retrocesso na condição da ex colônia. Sendo assim, a Casa de Bragança, de certo modo, comandou o processo que levou à independência do Brasil.
Ao retornar a Portugal em 1921, Dom João o encontrou intacto, sob o manto do Congresso de Viena, que previa a restauração das monarquias europeias destituídas por Napoleão e o equilíbrio de poder no continente. Ficaram sob o poder dos Bragança os Reinos de Brasil e Portugal, no caso do Brasil até o final do século XIX. Enquanto isso, a Inglaterra ampliou sua influência política e econômica no Brasil.