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Denotação e Conotação

Quando pensamos sobre o campo de estudos da linguagem, frequentemente nós nos vemos diante de situações em que a desconstrução de conceitos que nos foram incutidos desde a infância é inevitável. Compreender os mecanismos que constituem a linguagem é compreender também as influências de diversos outros fatores que permeiam e mediam todas as esferas da sociedade, tais como a política, a organização social a qual estamos submetido, a força do Estado, o poder, as leis, etc. Além disso, é fatal ter em mente que se as palavras, quando isoladas, são múltiplas fontes de significado, mais múltiplas ainda são as possibilidades de interpretação que podem surgir mediante a sua inserção em diferentes contextos. A linguagem, portanto, não é uma estrutura estanque e rígida, mas, pelo contrário, é maleável e adaptável a diversas situações.

E é justamente dentro dessa perspectiva que nós devemos trabalhar para compreender quais são as diferentes funções da linguagem, as chamadas “função denotativa” e “função conotativa”. Ambas se inserem dentro dessa compreensão de que a linguagem não nos apresenta uma única verdade irrefutável, nem tampouco é capaz de, sozinha, ser autônoma na materialização de um sentido: ela só se realiza no encontro com o outro, e esse outro está sempre imbuído de uma série de “vontades de verdade”, de “bagagens culturais”, enfim, de experiências anteriores que o fazem ser dono de um aporte responsável por completar o sentido emitido pelas palavras que lê ou ouve.

O que alguns chamam de “imaginação criativa do homem” é talvez essa força responsável por ampliar o significado de algumas palavras, fazendo com que, em muitos casos, a ideia original, básica, essencial, objetiva, seja permeada por uma transversalidade que lhe confere um entendimento diferente daquele com o qual ela foi emitida.

Vamos observar o seguinte exemplo:

– A mata estava muito escura naquela noite do dia 12 de dezembro, quando ocorreu o evento.

– O bandido mata todas as mulheres que tentam lhe oferecer algum tipo de suporte emocional.

No primeiro exemplo, a palavra “mata” faz referência à vegetação que envolve uma floresta, a mata nativa, o matagal, enfim. Já na segunda frase, “mata” se apresenta como a conjugação do verbo “matar” na terceira pessoa do singular. Entretanto, a grafia e a pronúncia das palavras são iguais, exatamente. O que faz com que o leito depreenda seus diferentes significados é o contexto no qual ela está inserida.

Podemos ir ainda mais adiante nessa perspectiva. Vamos observar o segundo exemplo:

– Eliane quebrou a cara.

Lendo essa frase assim, exatamente dessa maneira, o que você entende? Com certeza temos mais de uma possibilidade de leitura. Na primeira, podemos compreender que a Eliane, sujeito da ação, feriu o seu rosto de alguma maneira que, aparentemente, foi bastante dolorosa a ponto dela sentir que algo – um osso, provavelmente – foi literalmente “quebrado”. Já na segunda possibilidade podemos entender que Eliane tinha uma expectativa alta diante de algum assunto determinado e, não tendo alcançado a realização dessa expectativa, decepcionou-se ou frustrou-se de uma maneira muito intensa.

Essas duas possibilidades de leitura, entretanto, guardam em si a chave para a compreensão das diferentes formas de linguagem. Isto porque, se em uma das interpretações possíveis, levamos a ação ao “pé da letra”, isto é, à literalidade que lhe é imposta, na outra, pensamos em uma ação figurativa que faz referência a uma expressão calcada e incutida em nosso imaginário coletivo, ao nosso repertório cultural. Isso porque a expressão “quebrar a cara” é, sabidamente, uma metáfora partilhada por milhares e milhares de brasileiros que falam português.

Ausente de um contexto que suscite as causas da ação, é impossível compreender qual foi a real intenção do emissor dessa frase ao emiti-la. Mas, uma vez que esse contexto esteja explícito, temos leituras completamente diferentes da exata mesma frase. observem:

– No acidente de moto, Eliane quebrou a cara. Agora ela está internada;

– Todos sabemos que ela trabalhou muito no intuito de conseguir a promoção, mas, infelizmente, Eliane quebrou a cara.

É nítida, diante de um contexto, a diferença entre as frases. Se, na primeira, temos informações que corroboram com uma interpretação literal, na segunda, temos elementos que sugerem a razão pela qual a interpretação da frase não pode ser literal.

Essa é, portanto, a grande diferença entre a linguagem denotativa (ou denotação) e a linguagem conotativa (ou conotação): se na primeira temos como matriz de interpretação a literalidade da expressão, na segunda ela se constrói mediante um verniz metafórico e até eventualmente poético. Compreender essa diferenciação é de suma importância porque é justamente sobre esse eixo que caminham as possibilidades de enriquecer a linguagem, de torna-la cada vez mais capaz de dar conta de aspectos e sensações que a razão em si não só não é capaz de explicar como também não é capaz de transmitir.

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