“Brancos, negros, índios” já foi um verso quase obrigatório nos famosos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Anos após ano, uma das agremiações abordava a formação do povo brasileiro, sobretudo numa época em que era proibido abordar temas transnacionais.
Em termos de formação étnica, brancos, negros e índios ajudam a definir de forma bastante satisfatória o que é o povo brasileiro. Ao contrário do que sugere a lírica carnavalesca, de uma convivência quase harmoniosa entre esses três principais grupos étnicos que forjaram a população brasileira (o branco europeu, o indígena local e o negro africano), a tão propalada miscigenação é somente o aspecto mais doce de uma relação marcada pelo conflito, pela dominação e pela escravidão.
Um outro aspecto que deve ser exaltado nessa convivência é o cultural. O Brasil é um país rico em manifestações culturais, tanto no aspecto musical, quanto religioso, quanto, ainda, no folclore. Talvez esteja nesta pluralidade cultural a origem da veia criativa brasileira.
Tudo isso está no cerne da formação do povo brasileiro, mas o produto dessas interações transcende as variáveis étnicas e culturais. A primeira interação entre o homem branco e as tribos indígenas foi de conflito. Era o tempo em que a escravidão ainda era vista como algo plenamente natural. A primeira grande interação foi a tentativa do português de fazer com que os indígenas trabalhassem em favor de uma economia meramente extrativista.
É interessante sublinhar esse aspecto da economia puramente extrativista, que se deslocou do Pau-brasil para as pedras preciosas, porque o Brasil foi, até o início do século XIX, portanto pouco antes da separação de Portugal, uma colônia essencialmente de exploração. Em função disso, exceto pela exploração do plantio de cana-de-açúcar, principal atividade econômica da colônia, o Brasil se fazia notabilizar por ser um território gigante onde prevalecia uma economia de subsistência.
Também no final do século XIX, após a abolição da escravidão, ocorre a intensificação da imigração europeia para o Brasil, então um país, por incrível que pareça, de população majoritariamente negra, oriunda das senzalas.
Atualmente, de acordo com o Censo Demográfico de 2010, 47,51% da população é branca, em grande parte por conta desse fluxo imigratório, que trouxe italianos e alemães para as regiões Sudeste e Sul do Brasil, primeiramente para as lavouras de café, posteriormente em outras atividades, como indústria e comércio.
Ainda assim, negros e pardos compõem, juntos, cerca de 51% da população. Enquanto isso, os indígenas não chegam mais a 0,5% da população, sendo superados pelos asiáticos, com 1,10%.
Esses aspectos revelam muito sobre como se deu a formação do povo brasileiro, com muita miscigenação, é bem verdade, mas com a quase aniquilação das nações indígenas, varridas do litoral, empurradas para o interior e sempre sob assédio dos produtores rurais sobe as reservas.
Quanto à população negra, foi empurrada para os guetos, as favelas. O fim da escravidão não foi o fim do racismo, atualmente um traço fortemente presente na sociedade. O negro constitui a parcela da população com mais baixo IDH, com baixo acesso também às conquistas da modernização dos meios de produção, dos serviços e do consumo.
Como se pode ver, os brancos, negros e índios só convivem harmoniosamente na pista da passarela do samba, muito mais nos enredos de antigamente.
Formação étnica
Indígenas – Habitantes exclusivos do território brasileiro até a chegada dos portugueses. Eram 5 milhões de indivíduos, reduzidos hoje a pouco mais de 100 mil habitantes das regiões Norte e Centro-Oeste.
Brancos – Inicialmente, foram os portugueses. Ainda no período colonial, chegaram espanhóis, franceses, holandeses, italianos e eslavos, dotando o país de uma difusa formação cultural mesmo se levando em conta somente as populações brancas.
Negros – São os imigrantes involuntários, trazidos como escravos para trabalhar na lavoura de cana-de-açúcar. Ainda que bastante numerosa, principalmente nas regiões Nordeste e Sudeste, essa população é, ainda, desproporcional ao montante importado para o país como mão de obra escrava. A explicação são as condições desumanas de trabalho e a exposição a doenças e epidemias nas senzalas.
Mulatos – Mulato é o grupo étnico decorrente do cruzamento entre negros e brancos.
Caboclos – É o grupo decorrente do cruzamento entre brancos e indígenas.
Cafuzos – É o grupo étnico decorrente do cruzamento entre negros e índios.
Vale ressaltar que esses três grupos, juntos, formam o maior contingente da população brasileira, englobados em uma única categoria pelo IBGE, que é a dos pardos, de modo a englobar outras derivações.
Complexidade política e econômica
O Brasil, até bem pouco tempo atrás, era classificado como país de Terceiro Mundo. Recentemente, a partir da primeira década do século XXI, experimentou um salto econômico, político e social, que o levou à condição de país emergente.
O legado da escravidão, da condição de colônia e do atraso em desenvolver a atividade industrial, que tem menos de cem anos desde que recebeu seu primeiro impulso, durante o Estado Novo, gerou um país de grandes desigualdades, com grande distância entre uma minoria, que concentra grande parte da renda, e uma maioria pobre, que ainda vive em condições precárias.
Politicamente, o país ainda carece de uma identidade. Enquanto o Sul e Sudeste, apesar das mazelas sociais, possuem condições econômicas muitas vezes análogas às dos países ricos, o Nordeste e Norte, principalmente, ainda são estados onde predomina uma economia frágil.
O povo brasileiro ainda é uma massa complexa, produto de uma educação ainda precária, baixa identidade nacional, permanente instabilidade política e diferenças sociais e econômicas gritantes. Quando se fala em formação do povo brasileiro, a conclusão mais sensata é de que se trata de um processo ainda em andamento.